Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 07, Num. 03, 2005 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL PAPERS / ARTICULOS ORIGINALES

BETEGHeLLI, Paula; TOLEDO, Vanessa Pellegrino; CREPSCHI, Jaria Lopes Brandão; DURAN, Érika Christiane Marocco. SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM EM UM AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 07, n. 03, p. 334 - 343, 2005. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen

SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM EM UM AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL1

NURSING ASSISTANCE SYSTEMATIZATION IN A MENTAL HEALTH CLINIC
SISTEMATIZACIÓN DE LA ASITENCIA DE ENFERMERÍA EN UN AMBULATÓRIO DE SALÚD MENTAL

Paula Beteghelli2, Vanessa Pellegrino Toledo3, Jaira Lopes Brandão Crepschi4, Érika Christiane Marocco Duran5

RESUMO: Objetivou-se neste trabalho elaborar um modelo de histórico de enfermagem para ser utilizado em um ambulatório de saúde mental; descrever os pontos positivos e negativos da utilização deste modelo; e levantar os diagnósticos de enfermagem mais freqüentes num ambulatório de saúde mental em um município do interior paulista. O método utilizado foi a abordagem qualitativa, com algumas descrições quantitativas na análise da freqüência dos diagnósticos de enfermagem encontrados. A partir de um estudo bibliográfico estabeleceu-se um instrumento de coleta de dados (checklist) acerca do estado de saúde dos doentes mentais. Iniciou-se a coleta de dados através da consulta de enfermagem guiada por este instrumento, através de exames físico e psíquico, após anuência através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. A apresentação e a discussão dos diagnósticos de enfermagem ocorreram de acordo com a freqüência com que apareceram durante a análise do estado de saúde dos doentes mentais, sendo que o critério de discussão desses diagnósticos de enfermagem foi o de se apresentarem com freqüência de 10 ou mais vezes nos históricos de enfermagem. Os diagnósticos de enfermagem mais freqüentes foram: Desesperança relacionada a estresse prolongado, caracterizada por indicações verbais (75,00%); Isolamento social relacionado a alterações no estado mental, caracterizado por expressões e sentimentos de rejeição (70,00%); e Comunicação verbal prejudicada relacionada a barreiras psicológicas, caracterizada por ausência de contato visual (65,00%).  As experiências com a sistematização da assistência de enfermagem e o modelo de abordagem do doente mental baseado nos padrões de respostas humanas têm mostrado resultados positivos. Novos acréscimos ao instrumento utilizado na reabilitação psico-social promoverão maiores benefícios aos indivíduos abordados.

DESCRITORES: Enfermagem Psiquiátrica; Diagnóstico de Enfermagem; Saúde Mental.

ABSTRACT: The aim of this work was to elaborate a model of nursing evaluation to be used in a clinic for mental insanity people; to describe the positive and negative aspects of the use of this model; and to identify the most frequent nursing diagnosis in a clinic for mental insanity people in a city of São Paulo state. A qualitative methodology approach was chosen, but some quantitative descriptions were used when analyzing the nursing diagnosis found frequency. From a bibliographical study, a checklist was used to know about insanity people’s health status. The data collection was initiated with the nursing consultation guided by this instrument, through physical and psychical examinations, after signing the informed consent term. The presentation and the discussion of the nursing diagnosis occurred according to the frequency of their appearance during the analysis of the insanity people’s health status; the criterion of discussion of these nursing diagnoses was its appearance with a frequency of 10 or more times in the nursing evaluation. The most frequent diagnosis were: hopelessness related to stresses, characterized by verbal indications (75,00%); social Isolation related to alterations in the mental conditions, characterized by expressions of rejection feelings (70,00%); and harmed verbal communication related to psychological barriers, characterized by absence of visual contact (65,00%). The experiencing with the nursing assistance systematization and this specific approach for insanity persons, based in the NANDA human reaction standards, has shown positive results. New additions to the instrument used in the psychosocial rehabilitation will promote greater benefits to such individuals.

KEYWORDS: Psychiatric Nursing; Nursing Diagnosis; Mental Health.

RESUMEN: Este trabajo se objetivo en elaborar un modelo del histórico en enfermería, para ser utilizado en un ambulatorio de salud mental; hay que describir los puntos positivos y negativos de la utilización  de este modelo; y levantar los diagnósticos de enfermería mas frecuentes en un ambulatorio de la salud mental, en el municipio del interior paulista. El método utilizado fue la abordaje cualitativo, con descripciones de cantidad en el análisis de la frecuencia de los diagnósticos encontrados en enfermería. A partir de un estudio bibliográfico se estableció un instrumento de colecta de datos (checklist) a respecto del estado de la salud de los enfermos mentales. Se inició la colecta de datos por intermedio de consultas de enfermería siendo guiados por este instrumento, por medio de exámenes físicos y psíquicos, después de la anuencia y la firma del término de consentimiento libre y esclarecido. La presentación y el debate de los diagnósticos de enfermería ocurrieron de acuerdo con la frecuencia con que aparecían durante el análisis del estado de salud de los enfermos mentales, siendo que el criterio del debate de los diagnósticos de enfermería fue lo que se presentó con frecuencia de 10 o más veces en los históricos de enfermería. Los diagnósticos de enfermería más frecuentes fueron: Desesperación relacionada al estrés prolongado, caracterizado por indicaciones verbales (75,00%); Aislado socialmente relacionado a las alteraciones en el estado mental, caracterizado por expresiones y sentimientos de rechazo (70,00%); y Comunicación verbal perjudicada relacionada a las barreras psicológicas, caracterizada por ausencia de contacto visual (65,00%). Las experiencias con la sistematización de la asistencia de enfermería y el modelo abordaje a los enfermos mentales se consiste en los padrones de respuesta humanas y tienen demostrado resultados positivos. Nuevos acrecimos al instrumento utilizado en la rehabilitación psico-social promoverán mayores beneficios a los individuos abordados.

PALABRAS CLAVES: Enfermería Psiquiátrica; Diagnóstico de Enfermería; Salud Mental.

INTRODUÇÃO

Espera-se atualmente que o enfermeiro atuante em campos de estágio junto a alunos de graduação em enfermagem utilize os pressupostos da sistematização da assistência de enfermagem em diversos âmbitos dessa assistência, caracterizando cientificamente a enfermagem como profissão, com destaque para a relevância do cuidado pautado pelo diagnóstico de enfermagem.

Na saúde mental, STUART & LARAIA (2001) prelecionam que os aspectos psicoemocionais são desadaptações ao meio, com alguns fatores predisponentes permeando o ciclo desses desequilíbrios, a saber: perdas sofridas; sentimentos de desamparo; eventos que levam à depressão e luto; manias e/ou mecanismos de compensação.  Nos dias de hoje as populações estão ficando cada vez mais vulneráveis no que se refere aos aspectos da saúde mental, pois embora se viva em constante estresse, inexistem as preocupações relacionadas às maneiras de manter uma boa qualidade de vida.

O cotidiano das pessoas no emprego, no lar, no casamento, no ambiente em que vive, enfim, exige o confronto com constantes períodos de estresse e frustrações que provocam, muitas vezes, reações agressivas junto aos entes queridos ou cônjuges, como forma de descarregar os problemas mal resolvidos, podendo também ocorrer abandono do emprego, tudo devido à falta de equilíbrio entre corpo, mente e espírito, gerando ansiedade e incapacidade de enfrentar situações desgastantes.

Nas palavras de GEORGE (2000), o processo de enfermagem utilizado adequadamente na abordagem do doente mental oferece ordem e direcionamento ao cuidado prestado, constituindo-se na essência da prática da enfermagem, como instrumento e metodologia para auxiliar o enfermeiro na tomada de decisões, uma vez que propicia prever e avaliar as conseqüências das intervenções, oferecendo, assim, ao doente mental, o que de fato é responsabilidade da profissão, o pano de fundo para uma boa prática profissional.

Portanto, o enfermeiro, ao utilizar o processo de enfermagem (enfocando o diagnóstico de enfermagem), tem subsídios para as intervenções na problemática dos aspectos psicoemocionais apresentados pelos doentes mentais.

Estas intervenções podem sofrer uma estruturação a partir dos mais freqüentes diagnósticos de enfermagem encontrados, a fim de reverter um quadro de desequilíbrio psicoemocional instalado e, ainda, promover a saúde mental.

Para que se possa estabelecer a sistematização da assistência de enfermagem é de vital importância que o enfermeiro abandone muitos dos pressupostos teórico-práticos do modelo biomédico, de modo a enterrar preconceitos antigos e abraçar um modelo mais arrojado, que lhe permita a visualização de seus esforços (fundamentados cientificamente), como estratégias para planejar o cuidado individualizado ao doente mental (TOLEDO, 2004).

Segundo Horta apud David (2001), em 1961, Ida Orlando foi a primeira a empregar a expressão “processo de enfermagem”, para explicar os cuidados de enfermagem aos doentes mentais, identificando-os em três elementos básicos: o comportamento do doente mental, a reação do enfermeiro e as ações de enfermagem, resultando no processo de enfermagem.

Kenney apud David (2001) descreve que a abordagem científica já era posta em prática pelos enfermeiros, sendo que alguns autores da época utilizavam a coleta de dados de enfermagem, como a avaliação de sinais e sintomas do doente mental e da história médica, social e cultural aliada a fatores físicos e psicológicos presentes no ambiente.

De acordo com HORTA (1979), no ano de 1963 Virgínia Bonney e June Rothberg não citaram a expressão “processo de enfermagem”, mas empregaram alguns termos para explicarem os cuidados de enfermagem, sendo eles: “dados sociais e físicos, diagnóstico e prognóstico de enfermagem”. Lucile Lewis, em 1970, descreveu que o processo de enfermagem deveria conter três fases: levantamento de problemas, intervenção e avaliação (HORTA, 1979).

Horta (1979) cita que a Associação Americana de Enfermagem definiu o processo de enfermagem em sete etapas: coleta de dados, diagnóstico de enfermagem, estabelecimento do objetivo, plano de cuidados, ação de enfermagem, renovação da coleta de dados e revisão do plano.

O processo de enfermagem, desde sua aplicabilidade nos Estados Unidos da América nas décadas de 60 e 70, vem sendo usado para melhorar a assistência de enfermagem, pois o enfermeiro tem a possibilidade de sistematizar suas ações e, além disso, planejar e organizar as tarefas delegadas à equipe de enfermagem (DAVID, 2001).

No Brasil, o processo de enfermagem foi introduzido por HORTA (1979), através da Teoria das Necessidades Humanas Básicas. De acordo com esta pôde-se definir o processo em fases, a saber: o histórico de enfermagem, o diagnóstico de enfermagem, o plano assistencial, o plano de cuidados ou prescrição de enfermagem, a evolução e o prognóstico de enfermagem.

O processo de enfermagem consiste numa ampla estrutura teórica em que, para IYER et al (1993), a enfermagem se apóia.  Além da aplicação desta estrutura teórica à prática da enfermagem, exige-se do enfermeiro a capacidade de solucionar problemas, através de habilidades cognitivas e técnicas interpessoais para promover o bem-estar do doente mental, de seus familiares e da comunidade.

O bem-estar do doente mental deve ser alvo do enfermeiro, sendo necessário, segundo STUART & LARAIA (2001), modificar efetivamente as respostas psicoemocionais inadequadas em todos os âmbitos da assistência de enfermagem. Estes autores enfatizam a promoção de um efetivo relacionamento enfermeiro-paciente, de estratégias cognitivas, de expressões de sentimentos, de modificações comportamentais, de habilidades sociais e da educação em saúde mental.

A sistematização da assistência de enfermagem tem sido proposta em cinco fases: histórico de enfermagem, diagnóstico de enfermagem, planejamento, implementação e avaliação do cuidado prestado ao doente mental.

Para IYER et al (1993) e GEORGE (2000), é através destas cinco fases que a enfermagem pode definir seu verdadeiro papel no contexto da assistência à saúde.

Horta apud ANSELMI et al (1988) ressaltam que o histórico de enfermagem é o primeiro passo do processo de enfermagem, constituindo um roteiro sistematizado para que se possa levantar dados suficientes e significativos do doente mental na identificação de seus problemas. O ponto de partida é a coleta de dados no processo de enfermagem, feita através do histórico de enfermagem com base no critério de padrão de resposta humana da NANDA (2005) (North American Nursing Diagnosis Association).

No entanto, para CIANCIARULLO (1975), o histórico é uma relação documentada de informações específicas do doente mental, resultando em dados sobre suas necessidades ou seus problemas, para que sirvam de base para a evolução, prescrição e avaliação da assistência de enfermagem.

De acordo com TOLEDO (2004), a aplicação do histórico de enfermagem com base nos padrões de resposta humana da NANDA (2005) (North American Nursing Diagnosis Association) constitui oficialmente, desde a década de oitenta, a base conceitual para a organização dos diagnósticos de enfermagem e permite a abordagem do doente mental em todos os aspectos de sua vida.

O critério de examinar o doente mental pela avaliação das suas respostas humanas frente à satisfação de suas necessidades básicas compreende não só o contingente afetado, como também mostra o potencial que permanece sadio, facilitando as intervenções de enfermagem (TOLEDO, 2004).

CARPENITO (2002) estabelece que o critério de avaliação por padrões de resposta humana está subdividido em nove padrões: trocar, comunicar, relacionar, valorizar, escolher, mover, perceber, conhecer e sentir.

As interpretações das respostas humanas, segundo LUNNEY (2001), é uma tentativa complexa, já que o principal fator de influência é o fato de que nenhum doente mental consegue saber e compreender totalmente tudo o que se passa com o outro.

Para identificar os diagnósticos de enfermagem do doente mental, o enfermeiro pode escolher várias taxonomias, como NANDA (2005), CARPENITO (2002), ou não utilizar nenhuma.

O diagnóstico de enfermagem é definido por IYER et al (1993) como a identificação de problemas reais ou potenciais no estado de saúde do doente mental, a serem assistidos através das funções independentes e exclusivas de enfermagem, que definem e confirmam os elementos das suas intervenções.

Também os autores acima citados se referem a vários tipos de comprometimentos na abordagem do doente, como os relacionados à comunicação, à retenção de informações, a distrações e interrupções que comprometem a entrevista, ao exame físico e à observação do doente mental, causando imprecisão no processo de diagnóstico de enfermagem.

Portanto, é imprescindível que o enfermeiro mantenha uma comunicação eficaz com o doente mental, estabelecendo vínculos para um relacionamento baseado na confiança e segurança. Assim, o doente mental pode falar de si e de seus problemas, com leveza e tranqüilidade, depositando cada vez mais credibilidade na assistência de enfermagem.

O diagnóstico de enfermagem é definido pela North American Nursing Diagnosis Association - NANDA (2005, p. 283) como “um julgamento clínico acerca das reações de um indivíduo, família ou comunidade a problemas reais ou potenciais de saúde ou a processos de vida e constituem a base para a seleção de intervenções de enfermagem.”

Por todo o exposto, infere-se que o enfermeiro, através do processo de diagnóstico de enfermagem, pode conhecer e trabalhar em conjunto com o doente mental, a família e a comunidade, para então lhe oferecer reais caminhos para sua plenitude como ser e cidadão.

Após o estabelecimento dos diagnósticos de enfermagem passa-se à terceira fase da sistematização da assistência de enfermagem, que se resume no planejamento, com as prescrições de enfermagem elaboradas de acordo com cada diagnóstico, a partir das alterações detectadas no histórico de enfermagem do doente mental.

A definição de IYER et al (1993) é precisa quanto à etapa do planejamento das intervenções de enfermagem se resumir à tomada de decisões pelo enfermeiro, no sentido de estabelecer estratégias específicas para a promoção, manutenção ou restauração da saúde do doente mental.

Assim, na etapa do planejamento, partindo do diagnóstico de enfermagem e do estabelecimento de prioridades de acordo com as necessidades básicas do doente mental, o enfermeiro deve projetar os resultados, tidos como metas ou objetivos comportamentais a serem atingidos pelo doente mental, direcionando as propostas e cuidados possíveis, que servirão como ferramentas precisas para a etapa de avaliação do doente mental e de todo o processo de enfermagem.

Neste contexto, o enfermeiro e o paciente tornam-se capazes de notar se a reação humana delineada no enunciado de diagnóstico de enfermagem necessita ser modificada, corrigida ou evitada, através dos resultados que vão sendo alcançados e, conseqüentemente, permitirão a avaliação global das intervenções de planejadas.

A fase de implementação, para IYER et al (1993), começa após a elaboração do plano de cuidados e focaliza o início das ações que auxiliam o doente mental a obter os resultados desejados. Nesta fase o enfoque principal é a implantação das intervenções planejadas para satisfazer as necessidades físicas ou emocionais do doente mental, envolvendo as ações independentes, dependentes e interdependentes do enfermeiro.

Bem se posiciona GEORGE (2000), quando considera que a implementação é a real prestação de cuidados de enfermagem, ou seja, a implantação do plano de cuidados para a obtenção das metas e objetivos definidos no planejamento, de modo a modificar os fatores que contribuem para o comprometimento da saúde do doente mental.

A avaliação da informação documentada, para IYER et al (1993), auxilia na validação da proposta para a melhora do doente mental e no rumo à obtenção do resultado esperado e, na fase de implementação, ocorre a preparação dos cuidados de enfermagem coerentes com as prioridades estabelecidas, fundamentados nos princípios científicos que regem a enfermagem e na individualização da assistência de enfermagem.

O termo avaliação é comumente utilizado na descrição das decisões que o enfermeiro toma para a concretização dos resultados pelo doente mental. Sendo assim, o enfermeiro determina se o plano de cuidados é apropriado, realista, atual, ou se necessita de reexame: há uma comparação do estado de saúde do doente mental com os resultados definidos pelo plano de cuidados.

Na quinta fase do processo de enfermagem, o enfermeiro se concentra na avaliação que, para IYER et al (1993), é constante, ou seja, ocorre durante toda a intervenção de enfermagem e não só ao final do processo. Esta divisão adveio por necessidade de clarificar o processo de enfermagem, sendo as cinco fases inter-relacionadas e interdependentes. Então, embora seja a fase final do processo de enfermagem, constitui uma etapa integrante de cada fase anterior, caracterizando-se pela continuidade e formalidade.

Desde 4 de janeiro de 2000 a sistematização da assistência de enfermagem tornou-se obrigatória em todo o estado de São Paulo, conforme o determinado pela decisão DIR/SP - 008/99. Este documento incorpora o exercício profissional do enfermeiro, responsável pela implantação, planejamento, organização, execução e avaliação do processo de enfermagem. A fiscalização do COREN-SP (2002) continuará a priorizar, em seus trabalhos junto aos enfermeiros, o efetivo cumprimento da determinação ético-profissional, para que ocorra o resgate do verdadeiro papel do enfermeiro.

Ainda nas palavras de IYER et al (1993), à enfermagem cabem três funções ou papéis básicos: independentes, quando realiza funções referentes ao processo de enfermagem, desde o histórico de enfermagem até a avaliação, não requerendo influências ou comandos de outros profissionais; as interdependentes, quando as funções são executadas junto com outros membros da equipe de saúde; e dependentes, quando são realizadas atividades sob o comando de outros profissionais, como as referentes a medicamentos ou tratamentos específicos prescritos.

Com a necessidade de surgimento de novos modelos de assistência psiquiátrica devido aos processos de reforma psiquiátrica em nosso país, há que se implantar a sistematização da assistência de enfermagem como uma ferramenta direcionada ao trabalho de enfermagem psiquiátrica.

A psiquiatria e a enfermagem psiquiátrica surgiram no hospício, quando o doente mental era visto como louco, alienado, e o médico como um alienista que representava uma figura autoritária, respeitada e imitada, o que implicava o processo de exclusão e controle social. Os trabalhadores de enfermagem eram tidos como atores coadjuvantes, somente executavam as ordens emanadas pelos médicos; além disso, a especificidade do trabalho de enfermagem psiquiátrica não se baseava no modelo nightingaleano, tão utilizado nessa época (OLIVEIRA & ALESSI, 2003).

A escola de enfermagem Anna Nery, fundada em 1923 no Rio de Janeiro, até o ano de 1949 não apresentava nenhuma matéria relacionada às doenças psiquiátricas, quando passou a desenvolver estágio no Centro Psiquiátrico Nacional – Engenho de Dentro (OLIVEIRA & ALESSI, 2003).

A Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, criada de acordo com o decreto nº. 791 de 27 de setembro de 1890, era anexa ao Hospício Nacional, tendo como objetivo formar profissionais para hospitais psiquiátricos e militares existentes no país. Havia também a incorporação e disciplinarização de um segmento da população excluída, que garantia subordinação aos médicos, evitando conflitos anteriormente enfrentados com as religiosas no hospício; estabelecia-se, com isso, que o hospício era instrumento médico, sob somente sua direção (OLIVEIRA & ALESSI, 2003).

TOLEDO (2004) cita que a enfermagem deve estimular a motivação individual do doente mental, para que consiga suprir suas necessidades básicas, tanto no contexto familiar quanto no da comunidade, tendo em vista a reabilitação psicossocial.

Pitta apud TOLEDO (2004) considera que a reabilitação psicossocial se baseia na ética e na solidariedade que ajudam os doentes mentais com limitações, devido aos transtornos mentais severos e persistentes, nos afazeres cotidianos, resgatando sua cidadania.

Considera-se que o critério de avaliação de um doente mental através de suas respostas humanas, no que se refere ao histórico de enfermagem, demonstra muito mais que suas necessidades básicas afetadas, enfocando também seu potencial que permanece sadio. As repostas humanas são dinâmicas e se modificam através da interação entre família, paciente e ambiente, porém há a necessidade do preenchimento das necessidades básicas do doente mental. (TOLEDO, 2004).

A análise das informações colhidas em cada item do roteiro do histórico de enfermagem deve priorizar os pressupostos teóricos do exame psíquico.

De acordo com Taborda apud TOLEDO (2004), o exame do estado mental, no momento da entrevista, deve-se caracterizar por dois objetivos essenciais, um que enfatiza a possibilidade de realização do diagnóstico de uma síndrome, e outro que serve para o conhecimento da evolução do doente mental.

O exame do estado mental deve ser a relação dinâmica entre o mundo interno e externo, não limitado somente ao doente mental e ao enfermeiro. O mundo externo caracteriza-se por um espaço em que ocorrem trocas, através das quais o doente mental e o enfermeiro captam a realidade, processando-a através das funções centrais no seu mundo interno e voltando a resposta para o mundo externo. Com isso, pode-se considerar que a expressão e o comportamento do doente mental oferecem dados para que o enfermeiro possa inferir, através do exame da aparência geral, a linguagem e a conação presentes (TOLEDO, 2004).

A maior parte das queixas relatadas por pacientes portadores de transtornos mentais envolve o tratamento psiquiátrico hospitalar. Por isso acredita-se que, para um melhor tratamento, deveria haver um programa extra-hospitalar de atendimento à saúde mental (MOSTAZO & KIRSCHBAUM, 2003).

Na segunda metade da década de 80, ocorreu no Brasil o início da Reforma Psiquiátrica, tendo como base a condição humana, social, política e cultural do doente mental, deixando de lado a preocupação centralizada apenas na instituição hospitalar, surgindo assim os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (MOSTAZO & KIRSCHBAUM, 2003).

Os CAPS têm como objetivo possibilitar a reabilitação psicossocial, evitando as internações reincidentes, visando introduzir os princípios que nortearam a Reforma Psiquiátrica. Visam, além disso, a diminuir o impacto da desinstitucionalização, promovendo a reabilitação psicossocial (MOSTAZO & KIRSCHBAUM, 2003).

A importância da relação entre o enfermeiro e o doente mental necessita ser lembrada, pois é a maneira de obter os dados constantes do histórico de enfermagem, de forma fidedigna, favorecendo a elaboração dos diagnósticos de enfermagem.

Objetivou-se com este trabalho elaborar um modelo de histórico de enfermagem para ser utilizado em um ambulatório de saúde mental; descrever os pontos positivos e negativos da utilização desse modelo; e levantar os diagnósticos de enfermagem mais freqüentes em um ambulatório de saúde mental.

MÉTODOS

Este trabalho tem como delineamento a abordagem qualitativa, com algumas descrições quantitativas na análise da freqüência dos diagnósticos de enfermagem encontrados; segundo LEOPARDI (2001), é a utilização de dados e análise quantitativos e qualitativos, necessária neste enfoque da assistência de enfermagem ao doente mental.

O estudo foi realizado em um ambulatório de saúde mental de um município do interior paulista, no segundo semestre de 2005, sendo os doentes mentais atendidos por uma equipe multidisciplinar formada por psiquiatras, psicólogos, enfermeira, fonoaudiólogas e terapeutas ocupacionais. São atendidos cerca de 400 pacientes por mês.

Após obter-se o parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Hermínio Ometto, sob o n° 184/2005, e a autorização da enfermeira responsável pelo ambulatório, iniciou-se a coleta de dados, através da consulta de enfermagem guiada por um roteiro em forma de checklist, através de exames físico e psíquico, a partir do histórico de enfermagem com base no critério por Padrão de Resposta Humana da NANDA (2002) (North American Nursing Diagnosis Association), adaptado por TOLEDO (2004) para serviços de saúde mental e de psiquiatria, e da anuência através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Os critérios para a inclusão dos sujeitos foram:

A análise dos dados foi realizada em duas etapas:

RESULTADOS E DISCUSSÃO

a) CHECKLIST – HISTÓRICO DE ENFERMAGEM

Através dos exames físico e psíquico, a partir do histórico de enfermagem com base no critério por Padrão de Resposta Humana da NANDA (2002) (North American Nursing Diagnosis Association), adaptado por TOLEDO (2004) para serviços de saúde mental e psiquiatria, e do exame mental proposto por STUART & LARAIA (2001), foi elaborado checklist que foi utilizado durante a consulta de enfermagem em um ambulatório de saúde mental em um município do interior paulista, no mês de julho de 2005.

Os padrões de resposta humana utilizados para a construção do instrumento foram: trocar, comunicar, relacionar, escolher, mover, perceber, conhecer, sentir e valorizar.

No padrão trocar aborda-se as trocas fisiológicas do paciente com o meio, considerando os aspectos cardiovasculares, cerebrais e nutricionais, pois no contexto de um ambulatório de saúde mental observa-se, durante a vivência profissional, que estas alterações se mostram com mais freqüência.

O padrão comunicar aborda a fala, englobando a taxa, o volume, a quantidade, a característica e as expressões faciais.

No padrão relacionar aborda-se a postura, o contato visual, a relação paciente-enfermeiro, incluindo o estabelecimento de vínculos com outras pessoas, compreendendo as variáveis de socialização, papéis sociais, sexualidade e inserção social como cidadão.                                                 

Através do padrão escolher obtém-se a seleção de alternativas ou a tomada de decisões sobre determinadas situações, contemplando as variáveis referentes à participação e a adaptação individual, familiar e comunitária. No que diz respeito ao enfrentamento, ou seja, capacidade de solucionar problemas, estabelece-se interrogatório concentrado em como o doente mental reage a situações problemáticas, se recorre a alguém, se tem facilidade ou dificuldade para aceitar a ajuda do outro e, caso dependa de alguém, como ele se relaciona com essa dependência.

O padrão mover tem como objetivo tratar das atividades desenvolvidas pelo paciente, englobando as variáveis de atividade física e social, repouso, recreação, manutenção do lar e da saúde e autocuidado como alimentação, higiene, vestir-se e arrumar-se. Identifica-se se o doente mental tem alguma história de incapacidade física, como: nível de atividade (se é letárgico, tenso, inquieto ou agitado), tipo de atividade, tiques, trejeitos faciais ou tremores, gestos incomuns ou maneirismos. Investiga-se se algum destes interfere nas atividades de rotina. Indaga-se sobre as funções que são de responsabilidade do paciente, se sente cansaço ou fraqueza, como é sua disposição para a realização de atividades diárias, assim como o tipo de exercício físico exigido no seu trabalho e a prática de esportes.

Há a necessidade de conhecer os padrões de sono e, para tanto, indaga-se sobre o número de horas que o doente mental dorme por noite, se precisa de cochilos durante o dia, se se sente descansado quando acorda, se utiliza algum medicamento que promova o sono, como também se é acometido por pesadelos ou tem dificuldade para dormir.

É necessário apurar se o doente mental é envolvido com alguma atividade social e de lazer.

No padrão perceber solicita-se ao doente mental que faça uma descrição do conceito que tem de si próprio, no que diz respeito ao tipo de pessoa que é, como se sente e percebe a sua relação com outras pessoas, gosto por si mesmo, a quê atribui sua doença e se consegue determinar os efeitos da doença no seu autoconceito.

TABORDA (1996) enfatiza a importância de avaliar se há a despersonalização, isto é, a alteração da percepção de si próprio, manifestada por sentimentos de auto-estranheza ou irrealidade.

Há que se observar se o doente mental demonstra esperança ou desesperança em relação a sua reabilitação. Inclui-se aí a percepção sensorial do doente mental, abrangendo: história de ambiente restrito e danos nos órgãos do sentido, como alterações perceptivas nos sistemas sensório visual, auditivo, olfativo, gustativo e tátil, além das percepções que STUART & LARAIA (2001) definem como alucinações, que são falsas impressões ou experiências sensoriais, e as ilusões, que são falsas percepções ou respostas falsas a um estímulo sensorial.

As ilusões, para TABORDA (1996), são distorções perceptivas de imagens externas reais, sendo necessário que o enfermeiro esteja atento às manifestações não verbais, como, por exemplo, as expressões faciais de quem esteja ouvindo ou vendo algo.

O padrão sentir envolve a conscientização subjetiva de uma informação, compreendendo as variáveis referentes à dor e à integridade emocional. Identificar se o doente mental apresenta dor ou desconforto, delimitando o início, a localização, a duração, o tipo, a radiação, se há fatores associados, fatores agravantes e fatores aliviantes. Quanto à integridade emocional, deve-se optar por indagações que favoreçam a fala sobre seu estado emocional preponderante, que reflete sua situação de vida. O humor pode ser avaliado com perguntas baseadas em como o doente mental sente-se atualmente, ao mesmo tempo em que se observa se há sentimentos de tristeza, medo, euforia e ansiedade, além de tomar conhecimento sobre recentes acontecimentos estressantes na vida pessoal e as demonstrações de afeto que, para STUART & LARAIA (2001), representam o "tom emocional visível do paciente”.

TABORDA (1996) define afeto como uma manifestação externa da resposta emocional do doente mental. O afeto pode expressar o humor - estado emocional de longa duração -, de aspecto interno. Nem sempre isso ocorre, pois o doente mental pode tentar controlar a exteriorização de seus sentimentos. O autor ainda cita que o humor e o afeto devem ser examinados mediante a qualidade da manifestação, seja de medo, de ansiedade, de vergonha, de apatia, de exaltação, de irritabilidade. Quanto à intensidade, se é denso, superficial, indiferente, ou apropriado. Quanto à modulação, se o afeto está embotado ou rígido, se há discrepância e, quanto à estabilidade, há quanto tempo o paciente se encontra neste estado.

No padrão valorizar observa-se o julgamento sobre o significado ou a importância das situações vividas pelo doente mental, contemplando a variável referente ao estado espiritual da pessoa e suas práticas religiosas e culturais. Investiga-se a religião do paciente, suas práticas religiosas, a necessidade de conversar com o líder religioso, além da importância de ter um objeto religioso em seu poder durante a internação.

Identificar se há dietas e tratamentos que são proibidos pela religião do doente mental e, em caso positivo, conversar a respeito de sua posição face a esse problema. Procura-se saber se durante a hospitalização será possível contribuir para que o doente mental mantenha a prática religiosa. Observar também se há demonstração de excessiva preocupação com o significado da vida ou da morte, se expressa conflito interno sobre sua crença, se vê o significado de seu sofrimento ou sua existência, considerando a doença como uma forma de punição.

Através do padrão conhecer observa-se o conhecimento apreendido pelo doente mental em relação às situações vividas. Cabe investigar se possui um conhecimento correto acerca de seus problemas atuais de saúde; doenças; hospitalizações e cirurgias anteriores, e, ainda segundo TABORDA (1996), o relato cronológico do surgimento dos sintomas e alterações comportamentais, fatores precipitantes, relações entre sintomas físicos e psíquicos, bem como nome, dosagem, freqüência e ação dos medicamentos de que faz uso atualmente. Reconhece-se os fatores de risco em seus hábitos de vida e histórico familiar para o desenvolvimento de doenças, investigando também a presença das patologias psiquiátricas ou não, dando ênfase à presença, em familiares próximos, de suicídio ou tentativas, depressão, mania, esquizofrenia e alcoolismo. Cita-se aqui o que STUART & LARAIA (2001) chamam "processo de pensamento", que é o modo como o doente mental se expressa: durante seu discurso podem ser observadas as formas ou padrões de verbalização, mantendo-se alerta quanto às pessoas, locais e tempo. Assim sendo, o processo de pensamento foi enquadrado neste padrão, porém não se pode esquecer de que sua avaliação deve ser feita através da fala do doente mental.

A atenção, para TABORDA (1996), condiciona a forma como o doente mental apreende o mundo externo.

A memória do doente mental pode ser investigada através de sua capacidade de recordar experiências imediatas, recentes e remotas. O insight, ainda segundo STUART & LARAIA (2001), é a capacidade de compreender a natureza de seu problema ou doença, se ele percebe-se doente, se identifica causas internas ou se atribui seu problema a causas externas, ou nega sua patologia. As informações, a inteligência e a concentração do doente mental podem ser avaliados através da determinação do grau de instrução, conhecimentos gerais e o uso do vocabulário, incluindo o nível de alfabetização, indagando-se sobre como foi sua escolaridade, se teve reprovações ou dificuldades. TABORDA (1996) atenta para a importância de não confundir ignorância, pobreza e falta de oportunidades com retardo mental.

Para tanto, deve-se levar em conta a bagagem sócio-cultural do doente mental, sendo que a capacidade de concentração e abstração pode ser testada solicitando a ele que explique uma série de provérbios antigos, do tipo: “pedra que rola não cria limo”, “melhor um pássaro na mão que dois voando”; ou que enumere semelhanças entre pares de objetos, como: bicicleta e ônibus, maçã e pêra, televisão e jornal. A descrição dessas estruturas indica um pensamento mais concreto e, portanto, devemos estar atentos à capacidade do paciente para estabelecer conexões e abstrações.

b) PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS

Encontrou-se como ponto positivo a economia de tempo, pois através do checklist a consulta de enfermagem foi mais rápida e mais objetiva. Nota-se também a necessidade de um impresso específico para a anotação dos passos do processo de enfermagem, que foi suprida pelo checklist elaborado.

Enfatize-se o fato de que o histórico de enfermagem é realizado somente uma vez, ou seja, no primeiro encontro com o doente mental, para que se possa coletar os dados acerca do seu estado de saúde. Sendo assim, o tempo de contato deve ser revisto e alterado de acordo com as necessidades do próprio doente mental para os próximos encontros. A partir da primeira consulta de enfermagem é estabelecido, além do vínculo e do relacionamento interpessoal com o doente mental, um contrato de trabalho tratado como se fosse uma grande teia que o paciente e o enfermeiro passam a compor rumo à conquista da reabilitação psicossocial (TOLEDO, 2004).

CRUZ (1995) relata que, para a avaliação dos padrões de resposta humana, necessita-se de tempo e organização de estratégias; com a utilização do checklist o tempo gasto para cada paciente foi menor, o que possibilita que o enfermeiro tenha tempo para executar outras funções.

Com a utilização da sistematização da assistência de enfermagem com os doentes mentais, melhorou o relacionamento entre enfermeira e paciente.

Pôde-se perceber, após a utilização do checklist, que é preciso, para se estabelecer uma relação enfermeiro-paciente que favoreça a realização do histórico de enfermagem, uma disponibilidade física, mental e emocional. Como bem enfatiza TRAVELBEE (1982), a inter-relação é uma meta a ser atingida como resultado das interações planejadas, sendo que esta se torna uma experiência de aprendizagem para o paciente e para o enfermeiro.

Através do exame físico e psíquico é possível estabelecer os diagnósticos de enfermagem, incluindo a criação e o desenvolvimento de uma aliança de trabalho com o doente mental e a equipe, um planejamento terapêutico e uma meta a ser atingida para a reabilitação psicossocial. O valor indiscutível desta etapa vem ao encontro das bases teóricas que sustentam o processo de enfermagem, aliado aos pressupostos da reabilitação psicossocial. Evidenciou-se a necessidade de saber com quem se está lidando, ou seja, quem está necessitando ser reabilitado, para não replicar modelo paradigmático que se conhece da política manicomial existente no país. Acredita-se na reabilitação fora do hospital psiquiátrico e dentro da comunidade, que pode realmente socorrer a pessoa que sofre (TOLEDO, 2004).

Um ponto positivo importante observado foi que, através do checklist, o enfermeiro que utiliza o processo de enfermagem na sua rotina diária coloca-se em uma posição autônoma no que se refere aos seus direitos e deveres, mostrando assim a importância deste instrumento em seu local de trabalho.

TOLEDO (2004) afirma que o enfermeiro psiquiátrico necessita assumir um posicionamento mais assertivo na equipe com quem trabalha, através da utilização do processo e da sistematização de assistência de enfermagem nessa área. Os diagnósticos de enfermagem envolvem riscos de errar e julgar inadequadamente, mas também significa o surgimento de oportunidades de acertar e através disso prestar conta a sociedade a respeito do trabalho a nós destinados (CRUZ,1995).

Dessa forma o enfermeiro deixa de ser um agente somente na coordenação da equipe de enfermagem, e passa a exercer a atribuição gerencial, papel ativo e dinâmico em que será o facilitador de discussões sobre a evolução do paciente, estabelecendo julgamentos e avaliações sobre seu estado de saúde e as condutas que o reconduzam a vida ativa (TOLEDO, 2004).

A sistematização de assistência de enfermagem possibilita que haja a interação entre o enfermeiro e os outros membros da equipe de trabalho, através dos encaminhamentos a profissionais e serviços oferecidos à comunidade. A interação profissional/ paciente/ comunidade promove maior engajamento terapêutico do paciente.

Como ponto negativo pôde-se perceber que, por se tratar de perguntas fechadas, os pacientes limitam-se a respondê-las sem acrescentar alguns aspectos que seriam importantes. Para solucionar este ponto negativo, tem-se a evolução de enfermagem, pela qual podem ser abordados pontos importantes do doente mental, que foram abordados no checklist de maneira sucinta.

c) DIAGNÓSTICOS DE ENFERMAGEM MAIS FREQUENTES NUM AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL

Os diagnósticos mais freqüentes encontrados na população estão apresentados na tabela 1.

Tabela 1: Diagnósticos mais freqüentes encontrados no ambulatório de saúde mental de um município do interior paulista. ARARAS, 2005.

DiagnÓsticos

n

%

Desesperança relacionada a estresse prolongado, caracterizada por indicações verbais.

15

75%

Isolamento social relacionado a alterações no estado mental, caracterizado por expressões se sentimentos de rejeição.

14

70%

Comunicação verbal prejudicada, relacionada a barreiras psicológicas, caracterizada por ausência de contado visual.

13

65%

Risco para suicídio relacionado à história de tentativa de suicídio anterior.

6

30%

Memória prejudicada relacionada a distúrbios neurológicos, caracterizada por incapacidade de reter novas habilidades ou informação, e incapacidade de recordar eventos passados e recentes.

4

20%

Paternidade prejudicada relacionada à separação das crianças, caracterizada por abandono.

2

10%

O diagnóstico de enfermagem de maior incidência entre os doentes mentais foi o de desesperança que, segundo NANDA (2005), é quando o indivíduo é incapaz de enxergar alternativas ou fazer dileção pessoal disponível ou, ainda, quando há pouca capacidade de enxergar, mas é inabilitado para utilizar a energia a seu favor. CARPENITO (2002) nos traz que o indivíduo apresenta uma situação emocional mantida, subjetiva, na qual não vê possibilidades para resolução de problemas ou para obter o que quer, não conseguindo utilizar energias para traçar planos.

Isolamento social foi o segundo diagnóstico de enfermagem de maior incidência que, pela definição de NANDA (2005), é um estado sofrido e percebido pelo indivíduo, imposto pelos outros de forma negativa ou intimidativa. Através de CARPENITO (2002) tem-se a definição de que o indivíduo é incapaz de fazer contado com as pessoas, mas apresenta ou percebe uma necessidade ou vontade de um maior envolvimento com os outros.

O terceiro diagnóstico de enfermagem de maior incidência entre os pacientes foi o de comunicação verbal prejudicada, classificado por NANDA (2005) como capacidade reduzida, atrasada ou não existente para obter, valorizar e utilizar um sistema de símbolos.  Já CARPENITO (2002) cita que o indivíduo consegue entender os outros, mas demonstra ou corre risco de vir a demonstrar redução ou inabilidade de se comunicar.

CONCLUSÃO

Destaca-se a relevância da sistematização da assistência de enfermagem psiquiátrica, visto que o modelo que inclui os padrões de respostas humanas enfoca em sua essência a totalidade sadia do doente mental, deixando de lado o paradigma obsoleto de planejar as ações de enfermagem psiquiátrica tendo como pano de fundo a doença mental, representando um viés às tentativas de reabilitação psicossocial desenvolvidas até hoje.

Conclui-se que a sistematização da assistência em enfermagem psiquiátrica funciona como uma ferramenta útil e importante na tentativa de construir uma práxis mais eficaz na enfermagem psiquiátrica brasileira, no que se refere à reabilitação psicossocial.  É constatada a viabilidade de participação concreta do enfermeiro psiquiátrico na busca de tecnologias que gerem resultados positivos e inovadores em sua prática cotidiana, não deixando de lado a essência de sua profissão, que é o cuidado ao doente mental.

Diante das políticas de saúde mental brasileira, objetivando a desinstitucionalização, isto é, não retirar o doente mental de seu contexto, fica patente a necessidade de serviços e profissionais comprometidos com essa visão e atuando conjuntamente para o bom andamento do processo de reabilitação psicossocial.

Identificar os comprometimentos de origem emocional emergentes ou decorrentes de internação e do adoecer é fundamental para, juntamente com o exame físico, subsidiar e otimizar o cuidado integral de cada doente mental.

Assim, no caso do enfermeiro atuando num ambulatório de saúde mental, o desafio que se lhe impõe é cada vez maior e mais complexo, implica a capacidade de uma atuação eficaz juntamente com outros profissionais, mas não deles dependente.  Ele tem de estar apto a conhecer intimamente o doente mental para que seu desempenho seja efetivamente ético, objetivo, maduro, seguro, flexível e criativo.

As experiências com a sistematização da assistência de enfermagem e o modelo de abordagem do doente mental baseado nos padrões de respostas humanas têm nos mostrado resultados positivos.  Daí a intenção de adaptar estes recursos para a saúde mental.

O uso do referido checklist com o levantamento dos diagnósticos de enfermagem mais freqüentes no ambulatório de saúde mental propiciou um incremento na assistência de enfermagem psiquiátrica, fortalecendo o corpo de conhecimentos próprios do enfermeiro psiquiátrico, refletindo no resgate da cidadania e da ética que envolve o cuidado ao doente mental.

Novos acréscimos ao instrumento utilizado na reabilitação psicossocial promoverão maiores benefícios aos doentes mentais. 

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TRAVELBEE, J. Intervencion en enfermeria psiquiátrica. Carvajal S. A., 1982.

 

Texto recebido em 25/11/2005
Publicação aprovada em 10/12/2005

1 Artigo original extraído de trabalho apresentado ao programa de iniciação científica, como produção do núcleo de pesquisas em desenvolvimento e aplicação de intervenções terapêuticas em saúde, do Centro Universitário Herminio Ometto – UNIARARAS.

2 Graduanda do 6º período do curso de enfermagem, bolsista do programa de iniciação científica do Centro Universitário Herminio Ometto – UNIARARAS. Araras, SP. paulabeteghelli@hotmail.com.

3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Faculdade de Enfermagem do Centro Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS. Araras, SP. vanessatoledo@uniararas.br.

4 Enfermeira. Doutora em Tocoginecologia. Coordenadora e Docente da Faculdade de Enfermagem do Centro Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS. Araras, SP. jairacrepischi@uniararas.br.

5 Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP. Docente da Faculdade de Enfermagem do Centro Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS. Araras, SP: erikaduran@uniararas.br.

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